terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O real mundo paralelo do futebol


“Nas quatro linhas tudo pode”, “o que acontece em campo, fica em campo”. Essas são frases comuns no meio do futebol, que talvez mostre a face de um mundo paralelo no principal esporte nacional. Reconheço (falarei com mais calma em alguns parágrafos abaixo) as “fraturas” sociais que existem na humanidade. Porém, no futebol elas ficam expostas da forma mais nua e crua possível.

Usando o Brasil, para não me alongar muito, como exemplo. O racismo existe? Sim (desculpa Ali Kamel, mas existe, cara). No entanto, convenhamos, a maioria das pessoas no mínimo ficariam constrangidas em chamar em público um negro de macaco. Porém, no futebol, não. Numa partida é bem comum após um jogador (negro) fazer algo errado (ou simplesmente estar em campo), ouvimos coisas do tipo: “vai, macaco”, “tinha que ser negro, viu”, “vai carvão”, etc...etc...

Homofobia é outro tabu (no Brasil, até mais grave que o racismo). Apesar de ainda pequeno (proporcionalmente), homossexuais estão presentes em nossa sociedade, sejam eles professores, políticos e até lutadores de MMA. Todavia, não no futebol. Nele, apesar de todo mundo saber da existência, é melhor fingir que não: “'viado' é o jogador do outro time. No meu mesmo, não”. Isso sem contar a homofobia aberta de todas as torcidas. Até porque, “'viado' (ou 'bambi') é o torcedor do outro time. No meu, não tem disso”. Inclusive já falei um pouco sobre isso no “a inabalável cultura da repulsa ao 24”. Sobre o tema, saindo rapidinho do Brasil, vale a pena pesquisar sobre a história de Fashanu (primeiro jogador famoso a assumir a homoafetividade).

Outro ponto da “sociedade alternativa” é a participação (?!) da mulher. Apesar de “furos” (e falta de igualdade) elas estão presente em diversos meios “masculinos”. No entanto, claro, no futebol isso ainda é visto com estranheza. Ok. Talvez o caminho não seja um “futebol misto” (times que tenham homens e mulheres), beleza, assim como é em vários esportes a divisão é totalmente compreensível. Mas, por que “só” o homem entende de futebol? Por que o número de mulheres no estádio é ínfimo se comparado ao dos homens?. Ou pior, por que quando é uma bandeira (ou auxiliar), por exemplo, ela está sujeita a todo o tipo de machismo baixo, onde, o mais leve (sim, o mais leve) é: “deveria estar na cozinha lá de casa”. E isso tudo é visto apenas como “uma saudável provocação”?. Sobre o tema indico esse texto.

A violência também entra na questão. É claro que o Brasil é um “país violento” (e bonito por natureza). Porém, sempre causará uma certa reação você ver alguém saindo no tapa com outro, ou uma briga generalizada. No futebol, não. No máximo você vai dizer: “ahhh é só briga de torcida organizada”. A violência é acolhida como algo “normal” e do “dia-dia” do jogo.

Tá!. Eu sei. O amigx que leu até o momento o texto deve estar pensando: “óóó... como se isso só acontece-se no futebol”. Eu sei... eu sei... Todas as coisas citadas acontecem no dia-dia e fazem parte (infelizmente) da sociedade. Mas, como disse, no “meio do futebol” o negócio é tratado como natural. Passam de, na pior das hipóteses, uma “forma errada de se expressar”, para “ahhh... aqui eu posso”.

É evidente que o futebol não traz um mundo paralelo, pelo contrário, ele traz o mundo real. Ele expõe, de forma crua (e cruel), algumas mazelas da nossa sociedade. Mas, quando se estabelece a idea de um “espaço paralelo”, quebra uma noção bem pós-positiva de “convívio social”:

Para Durkeim mesmo as ações mais individuais tem a característica de ser uma pressão social sobre o individuo. As regras de convívio social acabam por algemar as mãos deste. A estrutura da sociedade molda o homem, determina a politica, a cultura, o lazer... Na sociologia do autor, a sociedade é tão forte que a individualidade desaparece. Então temos o papel da educação; forjar o ser social, lhe incutindo regras que, aos poucos, e de forma resignada, são interiorizadas.
 

Ou seja, se no “futebol tudo pode”. Eu posso “falar para o mundo” que para mim “negro é macaco”, o futebol me dá essa liberdade, sem represálias. Se não gosto da conviver com gay. Legal! O futebol me permite isso. E mulher... Em alguns espaços elas “mandam em mim”, no futebol não há esse risco... E claro, preciso dar uns tapas em alguém sem precisar arrumar um motivo aparente? O futebol tá lá me permitindo isso.

É evidente que o problema não está no esporte em si. E sim, em nossa sociedade. Mas, esse lado diria terapêutico do futebol (de forma negativa), apenas enfraquece um meio que, tanto serve de integração social.

Isso é o momento do futebol. Estou indo, mas posso voltar. 
Joel Santana.