sábado, 4 de julho de 2015

Vai na paz, garoto...


Quando se é filho único e tem “problemas” (no sentido de profundidade afetiva) com seus pais, o cachorro (ou animal de estimação) que cresceu com você terá uma importância acima do normal (se é que há um conceito de “normal”) na sua vida. Não é difícil entender o porquê. Com o tempo ele vai se tornando o irmão que você nunca teve, ou seja, ele estará lá para lhe ouvir nos momentos difíceis de uma das piores (em vários sentidos) fases da sua vida, a adolescência. Ele saberá sobre todas suas desilusões amorosas, os problemas no colégio, os sonhos, os medos, etc. Ele sempre lhe escutará, não responderá, óbvio, não dará pitaco, não lhe julgará, apenas escutará. E talvez por isso seja tão confortável tê-lo como ouvinte.

Porém, atualmente, devido a uma doença e a idade meu velho e bom amigo... ahh é Scoby o nome dele, mas, pode chamar de “Cubi”, “Bão”, “Troço” ou “Toma!” que ele irá atender do mesmo jeito. Mas, voltando...devido a uma doença, ele já está na fase final da sua vida. E aí é que as palavras, para descrever o momento, começam a sumir... ....

Atualmente não moro mais com meus pais, sendo assim, só vejo meu amigo, sei lá... uma, duas vezes por mês. Sinceramente, ainda bem. É cada vez mais difícil olhar para ele e não ver mais a força e a alegria de outros tempos, ver que ele não consegue mais pular em mim quando eu chego, que não tem mais o brilho nos olhos de outrora. Enfim, observá-lo definhando aos poucos.

Porém, mesmo assim, ele ainda vai seguindo firme no desejo de viver. Às vezes acho que ele faz isso por saber o quanto sua morte me deixaria mal, em um momento que já não é dos melhores. Talvez ele saiba que, de alguma forma, eu ainda preciso dele, que mesmo já adulto, quando vou até lá, à noite, sem ninguém por perto, chego nele e digo: “garoto, essa semana foi difícil”...

Também acho que ele continue vivo apenas por não entender porque não estou mais lá, talvez ele pense: “será que eu fiz algo de errado para ele ir embora?” “por que ele me abandonou?”...e siga vivo, bem ao estilo Hachiko, esperando o dia em que voltarei. Sinceramente, a vontade que tenho é essa, de voltar, mas, não para ficar, apenas para dizer a ele: “Vai em paz, garoto. Você já fez muito por mim, obrigado por tudo”.

E fez mesmo, sabe. Na verdade, continua fazendo... A primeira vez que “encarrei à morte”, ainda criança, foi devido a um antigo cachorro. Aprendi muito. Scoby, mesmo que sem querer, está me ensinando não só a encarar a morte e sim a encarar a dor de ver algo que gosta acabando diante dos olhos e não poder fazer nada. Talvez ele saiba que a minha vida será maior que a dele e que eu passarei por isso outras vezes. Talvez seja só sua última lição. Ou pior, talvez, ele esteja querendo me dizer que por mais doloroso que seja, chega um momento na vida que a gente tem que sacrificar algo que gosta para que ambos não sofram mais. Sinceramente, espero que não pense assim, pois significaria que ele não me escutou muito bem, pois, se tivesse escutado, saberia que eu não sou forte o bastante para isso.

Não sei quando o verei de novo, espero ainda vê-lo com vida para ler essa carta para ele. Sei que ele não entenderá.  Sei que ele não me responderá com um “obrigado”... Mas, lerei na esperança de pelo menos mais uma vez voltar a vez o brilho nos seus olhos.


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