sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A (suposta) polarização não é o problema


Recentemente estava lendo esse texto (Juntos, PT e PSDB se afundam na lama de Cunha), junto com algumas análises que levam sempre a mesma conclusão: “O Brasil não pode ser refém do PT e PSDB”, que segue a lógica de “temos que acabar com a polarização” (Alô Marina!). Discordo da forma simples, e paradoxalmente às vezes dualista como é colocada a questão e explicarei em alguns pontos.

Qual polarização? – Um ponto importante do discurso de “tem que acabar com a polarização” é que ele dá uma importância acima do normal ao Executivo Federal, é como se tivéssemos um monarquia dividida entre dois partidos. E não é bem assim. Já é um discurso meio batido, porém, ao meu ver, ainda atual que “existem vários brasis”, e dentro desse contexto, evidentemente existem os governos estaduais e municipais que, em muitos casos, possuem influência igual (ou maior) que o Federal. Sendo assim, não podemos dizer que "há polarização” no Rio de Janeiro (não entre PT e PSDB, fracos no Estado) ou em Pernambuco, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, etc. isso sem contar grandes cidades. A dita polarização é macro, porém, suas bases não se mantém de forma igual. Claro, existem exceções, como os maiores colégios eleitorais do Brasil, São Paulo e Minas, e isso é sintomático sim, porém, não é conclusivo.

A princípio levei em consideração apenas os cargos do Executivo, porém, claro, além do Judiciário, que é um caso especial que foge, em tese, a qualquer partidarismo, temos o poder Legislativo em diversas alçadas, do Federal ao Municipal, e é difícil dizer que ele é “polarizado” entre PT e PSDB. Pegando o exemplo da Câmara Federal, que no geral é dividido por bancadas (podendo ser de um Partido ou um grupos partidários), o PT tem “apenas” a 3° maior bancada, PSDB, 4°, ambos pouco fazem sem alianças, seja com a bancada do PMDB/PEN (68), ou do PSB, com 33, entre outras. No geral não há nem uma polarização de ideias visto a diferença e comunhão de interesses entre as bancadas, no final, acaba valendo mais o jogo de “trocas” do que a defesa de ideias (pontos ideológicos).

Por que mudar? – Já falei de como o sentido da polarização, vendo de uma forma de divisão de poderes, não é bem o que falam. No entanto agora discutirei apenas tendo o Governo Federal como base. É comum, sempre quando há uma “crise da democracia” (seja lá como definem isso) o discurso “precisa sair da mesmice”, “precisa mudar”, “não dá mais para continuar com PT e PSDB revezando o poder”. Vamos aos pontos, começando pelo final, nem vou entrar no discurso de “nos EUA há o bipartidarismo (não é bem assim) e funciona”. Não acho que o modelo deles se encaixa diretamente com o nosso pelo fato que lá são mais de 200 anos de um modelo consolidado, e esse é o ponto. No Brasil possuímos “apenas” 25 anos do nosso modelo de democracia e isso é muito pouco tempo para levantarmos a bandeira do “esgotou o modelo/sistema” (e aí se incluí sim, a polarização), não há modelo político que se “esgota” em 25 anos. Sofre crises? Sim. Sofre mudanças, ou atualizações? Sim. Porém, esgotar é uma palavra muito forte que remete a total falta de opções. Um exemplo simples para isso é que nesses breves 25 anos ainda nem chegamos a consenso de que pode ou não reeleição.

Mas, vamos levar em consideração que o problema está na polarização e ela deve acabar. Aceitando que Marina Silva vence as últimas eleições, o que, de fato, mudaria?. É possível constatar que o “problema (crises) da representatividade" está no sistema em si, então o que levaria Marina a não participar desse “sistema”, se até o próprio Lula, eleito com muito mais força e uma base maior, não conseguiu fugir. Alguns podem dizer, “ah mas o Lula já entrou na intenção de participar, a Marina é diferente”. Ok, vou aceitar a lógica, porém, o que a Marina faria não participando do jogo? que força teria no Congresso? apenas um suposto apelo popular seria forte o bastante para legitimá-la?. Vale lembrar que boa parte do eleitorado faz parte do que chamam de “maioria silenciosa", que, pessoalmente, chamaria de “maioria silenciosa hobbesiana”, ou seja, ele delega (nesse caso, o acordo se daria através do voto) ao seu líder escolhido o “direito de escolher o que é certo ou não", o poder é dele, e ele que resolva, e se por algum motivo ele não fizer o "correto", que muitas vezes é definido por outros atores, que se coloque outro (o exemplo atual da rejeição a Dilma, inclusive de eleitores, mostra isso). Então,  voltando ao assunto, se a Marina ganhasse que exemplo prático poderíamos usar para dizer que “seria diferente” e que ela não seria engolida pelo “bloco hegemônico”? Alguns podem falar: “Mas seguindo essa lógica não precisaríamos nem trocar o PSDB pelo PT”, sim, não seria absurdo, pego como exemplo o México que foi governado, de forma democrática (eleições e tudo mais) de 1929 até 2000 pelo Partido Revolucionário Institucional, e nem por isso o país é muito pior (ou melhor) que o nosso, possuímos, inclusive, um IDH (para pegar uma amostragem) bem parecido, o México é 71° o Brasil 79° (dados de 2013).

E também, como diria André Singer (autor de “os sentidos do Lulismo”):  “O lulismo (governo PT) é um modelo de mudança dentro da ordem, até com um reforço da ordem”, o mesmo também diz que, “O lulismo não é um monopólio do PT, outras forças políticas se realinharam em torno do fenômeno, guiados por ações como Bolsa Família e aumento do salário mínimo”. Ou seja, o Lulismo/Governo PT não necessariamente é uma “quebra do sistema”, apenas uma atualização do mesmo levada por um líder carismático e necessário para o momento, que era o Lula, seguindo um processo, talvez natural, de um sistema democrático jovem.

Precisa mudar de Partido? – Já posto a questão da polarização e “por que mudar”. Entro em outro ponto importante, ao meu ver até mais decisivo, que é a Homogeneização do discurso partidário. Ou seja, se nega as correntes divergentes dentro de um Partido. Uso o PT como exemplo, mas também vale para o PSDB. Dentro do PT possuímos pelo menos 4 grandes correntes a CNB (majoritária), Articulação de Esquerda, Mensagem ao Partido e Movimento PT, fora outras menores que possuem representatividade no Congresso Nacional. O fato é que dentro do próprio PT existem vários partidos que divergem, inclusive, de forma ideológica, óbvio que, no final, por questão “pragmática” todos “são PT”. Só como exemplo, o PSOL, partido pequeno e com apenas 5 congressistas, possuí três grandes correntes (fora algumas menores) que discordam frontalmente entre si. Então, já pensou se a cada discordância entre as tendências fossem criados novos partidos? Se atualmente já acham muito os 35registrados no TSE, teríamos, no mínimo, uns 50.

Singularizar os partidos não é nada mais que uma forma menos agressiva de dizer que “o PT/PSDB só tem corruptos”. Até aceito o discurso que existem laranjas podres no PT (ou PSDB), porém não podemos generalizar, existem bons políticos/correntes e, principalmente, duas militâncias orgânicas (com destaque para a do PT) bem fortes. Então o que faz um político que, por discordar de a ou b muda de partido, melhor que outro que mesmo discordando de a ou b continua na legenda buscando melhorá-la. Pegando a lógica da mudança, já pensou, se todos os “bons” políticos do PT (ou PSDB) sempre que algo “discordante” (um ato de corrupção interna, por exemplo) resolvem sair do partido. Esses “iluminados” criam outra legenda ou vão para outra, lá, havendo outro caso de “corrupção” (ou discordância interna) vão mais uma vez mudar e assim sucessivamente, isso, obviamente, criaria um enfraquecimento e fragmentação de legendas, e, ao meu ver, o discurso “sem partido” é danoso a nossa democracia, assim como a hipertrofia partidária.

Então caso haja uma análise que o “lulismo” (petista) não tem mais força para seguir, é totalmente possível que o PT construa, com sua base, que é inegavelmente grande, uma nova força política, com novas ideias, etc. Assim como o próprio PSDB, caso seja constatado o mesmo, também pode fazer. E é, inclusive por serem partidos grandes, com maior número de adeptos, correntes, ideias e até força de “negociação”, mais seguro esses partidos fazerem um possível processo de mudança do que centralizar isso em uma figura sebastiânica (já tivemos o péssimo exemplo de Collor em nossa história). “Ah mas o PT e o PSDB já estão viciados nesse modelo (de coalizão) podre”, acho um discurso simplista, mas, ok. Voltando ao que falei antes, se o PT e o PSDB estão “viciados” o que comprovaria que outros não ficariam? Ao meu ver, caso haja um problema, ele está no sistema (bloco hegemônico), a simples troca de atores não mudaria muita coisa no jogo, talvez ao contrário, numa nação com "apenas" 25 anos de uma combalida democracia, que ainda não definiu se reeleição é positivo ou não, qualquer ruptura drástica (mais à esquerda ou à direita) só levaria a uma reação igual ou mais forte (sim, é a terceira lei de Newton aplicada a política).

O discurso pode parecer um pouco pessimista, e de certa forma é, porque não acredito em revoluções (positivas) a curto prazo em um sistema ainda jovem (e frágil). No entanto, isso não quer dizer que não poderíamos ter uma liderança positiva (e propositiva) em outros partidos, de forma alguma sou determinista ou reduzo o discurso a “deixa assim que ta bom”. Porém, afirmar que o fim dessa suposta polarização é o “caminho”, é nada mais que um sebastianismo partidário que, pelos motivos expostos, apenas atrapalha e confunde.